quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Flor misteriosa

Flor Misteriosa (Crônica de meu filho Xico)

Um dia, qual Drumond, eu encontrei uma linda flor meio perdida, e desvalida, no ermo da cidade. Encantei-me com sua existência, e a acolhi com o carinho que somente os agrônomos sabem fazer com as dádivas da natureza. Cultivei, tratei, reguei, nutri, iluminei aquela pérola como jamais havia procedido antes nem com meus próprios vasos. Ela cresceu, começou a brilhar, se perfumou, alegrando meu coração. O tempo passava, porém, e a minha flor, curiosamente, não se sustentava na sua plenitude, decaindo às vezes como se estivesse infectada por um vírus. Nesses momentos eu a tomava nas mãos, revigorando sua energia com minha dedicação. Certas horas eu viajava com ela para aspirar a fresca brisa dos lugares mais lindos do mundo, e ela vicejava. Mas, por incrível que pareça, ela nunca firmava seu esplendor. Enrustia sua essência, seu miolo murchava. Havia alguma coisa de errado naquela flor maravilhosa, que a impedia de medrar por completo, e eu quis ir a fundo entender do que se tratava. Com jeito fui observando, estudando um estratagema, até que um dia, disfarçado de beija-flor, voei próximo de sua intimidade e, como se portasse uma lupa especial, percebi pequenas manchas em suas pétalas, locais rodeados de minúsculos espinhos que escondiam um amargor experimentado pela ponta da minha língua de pássaro. Eu nunca imaginara tal desdouro, marcas indeléveis semelhantes àquelas que certas pessoas sofridas carregam para sempre, tornando-as azedas e de mal com a vida. Fiz de tudo ao meu alcance para livrar aquela flor das desgraças botânicas desconhecidas que andavam afetando seu viço. Mas meu esforço parecia em vão: quanto mais eu a ela me dedicava, mais ela se ofuscava, misturando seu esplendor com uma espécie de angústia floral. Nem os mais sofisticados subterfúgios de minha agronomia conseguiram funcionar. Até que desisti, e devolvi aquela flor misteriosa à sua origem.

Confesso que ando entristecido com o meu fracasso na jardinagem do amor. Torço, com compaixão, para que os anjos da natureza a estejam protegendo.

Xico,19/01/2012

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